Palhoça registra primeira adoção por casal homossexual - Jornal Cruzeiro do Vale

Palhoça registra primeira adoção por casal homossexual

03/03/2011

Nas certidões de nascimento de Camila e Gustavo, que foram registrados no último dia 24 de fevereiro, duas mulheres aparecem como pais das crianças. Márcia Margarida e Rosita Albuquerque foram o primeiro casal homossexual a conseguir adotar um filho em Palhoça. Camila, 11 anos, que nasceu no Município, foi registrada aqui. Já Gustavo, 8, em São José, onde nasceu.


O processo de adoção das duas crianças foi baseado em um caso similar ocorrido em São Paulo e demorou dois anos e meio para ser concluído. Agora, os irmãos biológicos Camila e Gustavo possuem os sobrenomes das duas. "Nossa luta era para que ficassem com os nossos nomes. Mas, depois de um tempo, tudo o que queríamos é que não tirassem eles da gente", contam.


A relação com as crianças é antiga. Conheceram Camila e Gustavo através de duas amigas, que os levavam para brincar na casa delas nos finais de semana. Os dois possuem um histórico de maus-tratos. A própria mãe deles resolveu dá-los para doação. "Vai com elas, seu otário", foi assim que a mãe biológica convenceu Gustavo a ir morar com Márcia e Rosita. Decidido, em seguida, o menino encontrou Rosita na porta da sua casa lhe esperando e disse: "Vamos embora, padrinho". Entrou no carro e não olhou mais para trás. Quinze dias depois, Camila também se mudou para a casa deles.


Gustavo chama Rosita de padrinho porque, nas palavras dela: "Quando ele me conheceu, achou que eu era homem", diz. Ela conta rindo que um dia foi buscá-lo na escola e os amiguinhos dele a perguntaram se era homem ou mulher. "Ele? É mulher", respondeu Gustavo com convicção, que estava ouvindo o questionamento.


Rosita afirma que já nasceu homossexual. "Nunca gostei de brincar de boneca", conta. Já Márcia, 61 anos, demorou vários anos para se interessar por mulheres. Antes, passou por quatro casamentos heterossexuais, que duraram cerca de quatro anos cada um. Desses relacionamentos ela teve apenas uma filha biológica. Mas, adotou outras duas meninas e já é bisavó. Rosita nunca havia sido casada antes. "Ela tinha só uns rolos. Agora está sendo 24 horas sendo vigiada por mim", brinca Márcia. Elas estão juntas há 16 anos.


A história do casal


As duas se conheceram através da internet, em uma sala de bate-papo. Rosita morava em Florianópolis e Márcia estava sempre viajando entre São José e São Paulo, onde uma das filhas, que também é homossexual, fazia faculdade. "Nós ficamos juntas de vez quando ela chegou de São Paulo. Na mudança levei só o carro e a roupa do corpo", conta Rosita.


Quando se conheceram pessoalmente pela primeira vez, Rosita foi ao apartamento que Márcia tinha em São José. "Eu olhei pelo olho mágico e ela estava com o braço apoiado na testa. Na hora pensei: 'É bem isso que eu quero para o resto da minha vida'", relata Márcia. As duas saíram do prédio já de mãos dadas e estão juntas desde então. Há cerca de três anos elas possuem o registro de união estável.


Morando há nove anos em Palhoça, elas escolheram a Cidade para construir uma casa juntas. "Sempre falo que foi Deus quem nos fez vir para cá. Nunca sofremos preconceito aqui", explica ela, destacando que as duas sempre andam de mãos dadas em qualquer lugar: na rua, nas lojas, no shopping.


Educação


Durante a entrevista, o menino Gustavo sempre aparece correndo, pulando e fazendo perguntas. "Mãe, posso tomar refrigerante?". Após ouvir uma resposta afirmativa, abraça Márcia pelo pescoço. Depois de jogar um pouco de futebol com os primos, aparece de novo. "Mãe, posso comer pipoca?".


Márcia é católica e já teve famílias "tradicionais", e não vê nenhuma diferença na educação que dá aos filhos agora. "Eles se deram mal. Aqui a educação é à moda antiga, rígida. Só não tem palmada. Aqui é só na base da conversa", brinca Rosita.


Na época em que foram morar com Márcia e Rosita, Camila e Gustavo ainda tinham uma irmã de seis meses. Agora que já concluíram a adoção das crianças, o casal também pretende adotá-la. No entanto, perderam a mãe biológica e o bebê de vista, mas pretendem continuar procurando: "A menina já deve estar com três anos. Se ela já estiver adaptada em outra casa, vamos tentar apenas manter o contato entre os irmãos e ela. Nós entendemos como é difícil para uma criança se adaptar a outra família", reconhecem.


Mudança no sistema do cartório


A adoção dos dois irmãos gerou uma mudança também no sistema de registro do Cartório Beck, do Centro de Palhoça. A registradora Alexsandra Flach Beck explica que foi preciso alterar a certidão de registro padrão, onde consta a filiação com campos "Pai" e "Mãe" para serem preenchidos. "Dessa forma o campo de preenchimento do nome do casal aparece apenas como Filiação, sem referência ao sexo masculino ou feminino", explica.


Não há informações sobre a existência de outros processos para adoção de crianças por homossexuais na Comarca de Palhoça. No entanto, em Santa Catarina já há casos desse tipo. Ano passado, em Piçarras, no litoral norte do Estado, duas mulheres conseguiram adotar um bebê. Já em abril do ano passado, a Quarta Turma do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu por unanimidade a adoção de crianças por um casal homossexual de mulheres em Bagé, no Rio Grande do Sul. Foi a primeira vez que o STJ julgou um recurso desse tipo.


Juíza comenta decisão


A Juíza Simone Boing Guimarães Zabot, da 3ª Vara Cível da Comarca de Palhoça, foi a responsável pela decisão favorável ao processo de adoção do casal Márcia e Rosita. Na opinião da juíza, decisões desse tipo representam um avanço, porque além de conferir às famílias homoafetivas o mesmo tratamento dado aos casos tradicionais, também possibilita que a criança não fique desassistida: "Ao invés de permanecer em abrigos, onde recebem estrutura mínima para seu desenvolvimento saudável do ponto de vista material, elas podem receber amor e carinho de seus pais adotivos, circunstância que influencia na formação do caráter e da personalidade da criança e certamente refletirá no adulto que se tornarão".


A juíza explica que a sentença teve como fundamento o princípio da dignidade da pessoa e da igualdade: "Não apenas à dignidade das crianças, que têm o direito ao amparo psicológico, moral e afetivo de seus pais, mas também por que a união por amor configura o requisito necessário à caracterização da entidade familiar e não a diversidade de sexo, requisito discriminatório que simplesmente ignora a realidade atual da sociedade", justifica.



fonte: Palavra Palhocense

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