Brasília - Depois de quase um ano de incertezas desde que entrou em vigor, a Lei da Ficha Limpa foi descartada para as eleições de 2010, frustrando milhares de brasileiros que esperavam sua aplicação imediata. A boa notícia é que a partir do dia 7 de junho deste ano, a lei poderá ser aplicada em sua totalidade. A notícia ruim é que não se sabe até quando esse entendimento é válido.
Apesar de estar definido que a lei não vale para 2010, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) nada falaram sobre outros pontos conflituosos da norma. São pelo menos duas as críticas: que a lei fere o princípio da presunção de inocência - por deixar o político inelegível sem necessidade de decisão em última instância - e que ela não pode ser aplicada nos casos de políticos que cometeram, antes de junho de 2010, faltas enquadradas posteriormente na lei. Por esses motivos, a Lei da Ficha Limpa ainda pode ser declarada inconstitucional em alguns pontos, caso venha a ser julgada pelo STF no futuro.
A Lei da Ficha Limpa foi criada a partir de um projeto de lei de iniciativa popular que reuniu mais de 2 milhões de assinaturas. A lei não era um texto totalmente novo: ela complementava e alterava alguns trechos de uma lei de 1990 (LC 64/90), que já estabelecia vários critérios de inelegibilidade. As principais alterações promovidas pela Lei da Ficha Limpa dizem respeito à ampliação de alguns prazos de inelegibilidade de três para oito anos e o fato de a condenação por um tribunal regional ser suficiente para tornar o político inelegível. Até então, isso só ocorria quando não havia mais possibilidade de recurso.
A lei passou pelo Congresso Nacional e foi sancionada pela Presidência da República sem ser alterada. Passou também pela Justiça Eleitoral, onde saíram as primeiras decisões contrárias à sua constitucionalidade ou à sua aplicação já em 2010. Por fim, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu, por 5 votos a 2, que ela era constitucional e que podia ser aplicada no ano passado.
Entretanto, o assunto emperrou no Supremo. No julgamento do registro para o governo do Distrito Federal do ex-governador Joaquim Roriz e do então senador Jader Barbalho, para o Senado, no ano passado, cinco ministros defenderam que a lei já se aplicava em 2010 e cinco que ela deveria esperar um ano para valer. O entendimento contrário à lei foi justificado pelo Artigo 16 da Constituição Federal, que diz que norma que alterar processo eleitoral deve esperar um ano para ser aplicada.
Os ministros que defenderam o Artigo 16 lembraram que as regras das eleições não podem ser alteradas quando o processo eleitoral já começou. O ministro Gilmar Mendes, por exemplo, defendeu que o processo eleitoral tem início em outubro do ano anterior às eleições, quando começam a ser formadas as coligações. ?O processo eleitoral é algo muito mais complexo [que as convenções] e até as pedras sabem disso?, disse Mendes.
A posição contrária à aplicação da lei já em 2010 tornou-se maioria nesta semana com o voto de desempate do ministro Luiz Fux. ?A Lei da Ficha Limpa é a lei do futuro, uma aspiração legítima da sociedade brasileira. Mas não pode ser um desejo saciado no presente, em homenagem à Constituição brasileira?, disse o ministro em seu voto.
Lei da Ficha Limpa deve voltar a ser analisada antes das eleições de 2012
A indefinição sobre a validade da Lei da Ficha Limpa pode ser resolvida antes das eleições municipais de 2012. Após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que invalidou a norma para 2010, entidades sinalizam com a possibilidade de entrar com uma ação declaratória de constitucionalidade no Supremo ainda este ano. O objetivo é que a Corte se posicione definitivamente sobre pontos da lei que ficaram sem decisão final, para que não haja mais insegurança sobre quem é ou não candidato nas próximas eleições.
Da forma que está, a Lei da Ficha Limpa pode ser aplicada plenamente a partir de 2012. Entretanto, o STF ainda não se posicionou sobre pontos conflituosos, como a presunção de inocência até decisão definitiva da Justiça ou a retroação para atingir casos anteriores à edição da lei. Especialistas temem que esses assuntos voltem a ser discutidos apenas nos recursos de políticos barrados nas próximas eleições, já no meio do processo eleitoral, como ocorreu em 2010.
O ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Henrique Neves é um dos que defendem que a norma volte a ser analisada antes das eleições de 2012. ?Seria bom que alguém entrasse com essa ação [ação declaratória de inconstitucionalidade] ainda este ano para que os envolvidos nas eleições não descobrissem em cima da hora o que pode e o que não pode?, argumenta o ministro.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, também defende que a lei seja analisada antes das próximas eleições. Ele disse que a entidade está estudando a possibilidade de entrar com uma ação no STF para que isso ocorra.
?Vejo bastante plausibilidade [que a OAB entre com a ação]. Claro que por um lado seria bom porque estabeleceria melhor a situação, mas não sei se agora seria um bom momento para isso. Mas a Lei da Ficha Limpa não pode continuar com esse tipo de dúvida em função de manifestações desse ou daquele ministro sem que haja efetiva definição?.
Outra vantagem de uma futura ação declaratória de constitucionalidade é que todos os pontos polêmicos da lei poderiam ser analisados de uma só vez, e não em conta-gotas a partir dos casos específicos de cada candidato. Segundo a Constituição, além da OAB, podem entrar com ação declaratória de constitucionalidade a Presidência da República, as mesas diretoras de todas as casas legislativas, inclusive as municipais e estaduais, os governadores, a Procuradoria-Geral da República, confederações sindicais ou entidades de classe nacionais.
Outro ponto ainda pouco discutido é a possibilidade de o Congresso Nacional alterar a Lei da Ficha Limpa a partir da edição de outra norma que a substitua nos pontos mais polêmicos. Na sexta-feira (25), o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, afirmou que ?a lei precisa evoluir nos casos de presunção de inocência?.
Ficha Limpa: metade dos políticos com recurso no STF não conseguirá vagas
Brasília - A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que liberou a candidatura de políticos barrados pela Lei da Ficha Limpa em 2010 deverá beneficiar, de imediato, vários dos 32 candidatos que estão com recurso tramitando na Corte. Entretanto, para quase metade deles, a decisão não significa a obtenção do cargo pleiteado, já que não obtiveram bom desempenho nas urnas e não seriam eleitos de qualquer forma. Nesses casos, o resultado não seria favorável mesmo com a recontagem de votos da coligação ou do partido e o novo cálculo do quociente eleitoral.
Entre os 15 políticos nesta situação, chama a atenção o caso de Francisco Vagner de Santana Amorim, o Deda, do PP do Acre. O ex-prefeito de Rodrigues Alves, município na fronteira com o Peru com cerca de 13 mil habitantes, foi enquadrado na lei por ter sido condenado pelo Tribunal de Contas do estado. Menos famoso que o seu xará Marcelo Déda, que se reelegeu para o governo de Sergipe, o Deda do Acre obteve apenas 17 votos para uma vaga na Assembleia Legislativa.
O candidato Francisco das Chagas Rodrigues Alves, do PTB do Ceará, ficou famoso por ser o primeiro barrado pela Lei da Ficha Limpa pelo plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele teve o registro negado porque foi condenado por compra de votos em 2006. Foi a partir de seu caso que a corte eleitoral decidiu que a Ficha Limpa valeria para 2010. A propaganda negativa pode ter sido decisiva para o fraco desempenho do Dr. Chico Rodrigues nas urnas, pois ele obteve apenas 322 votos para deputado estadual.
Segundo o advogado Rodrigo Lago, especialista em direito eleitoral, são vários os motivos que levam esses candidatos a continuarem com recurso no STF, mesmo que o processo seja caro e demorado. ?No caso dos candidatos a deputado, somente a reversão da decisão permitirá que os votos sejam contabilizados para o partido ou para a coligação, fazendo com que a legenda possa até conquistar uma nova vaga. Além disso, eles não foram eleitos, mas podem se tornar suplentes?, disse.
De acordo ainda com o advogado, a decisão de liberar a candidatura também pode beneficiar os candidatos ao Senado não eleitos, como Maria de Lourdes Abadia (PSDB-DF) e Paulo Rocha (PT-PA). ?Os majoritários podem ter interesse porque se houver uma ação impugnando resultado das eleições e algum dos senadores sair no futuro, eles podem tomar posse?.
fonte Adjori/SC
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