Abri a porta para sair para o trabalho e lá estava ela, imóvel à soleira. Majestosa, imponente e horripilante. Tinha mais ou menos o tamanho de um CD. Não identifiquei a espécie. Caranguejeira só se fosse depilada. Pensei nas possibilidades: 1- arremessar minha maleta em cima dela. Visualizei rapidamente seu conteúdo. Uma calculadora HP, um tablet, óculos de leitura, suficientes para desistir da empreitada. 2 - uma vassoura! Assisti várias vezes minha mãe acabando com a raça de algumas aranhas com uma vassoura. Desanimei. A minha estava na rua - eu precisaria passar pelo bicho para pegá-la. Sim, podia usar a porta dos fundos, mas aí perderia Aragogue de vista. Saca Aragogue, a acromântula dos livros de Harry Potter? Pois, juro, essa era bem parecida. E se eu fosse buscar a vassoura e quando voltasse eu descobrisse que a aranha tinha sumido? Eu nunca mais teria paz nessa vida. Não! Um artrópode do tamanho da Oceania solto na minha casa é a última coisa que eu desejo. Recuei alguns passos, lento, olhos fixos no aracnídeo enquanto decidia o que fazer. Ouvi dizer que esses bichos podem saltar até 4 metros. Por instinto levei a mão ao pescoço. Aranha de Bran Stocker. Vai saber?! Fui à cozinha e peguei o tubo de DDT, ou algo genérico e voltei. Será que ela se mexeu? Está um pouco mais à frente, me parece. Sua perna de Ana Hickmann já dentro de casa. Estiquei o braço ao máximo, apontei e disparei. O veneno pegou de raspão. A danada passou correndo por entre minhas pernas e se abrigou embaixo do sofá. Com a porta liberada, voei para o pátio e voltei armado de vassoura. De quatro no tapete da sala eu consegui alcançá-la com as cerdas. Prendi-a contra a parede e quando afrouxei um pouco ela gingou para a cozinha. Estava um pouco grogue de veneno, mas poderia levar dias para morrer, ou até anos, talvez. Então tive uma ideia estúpida que aprendi nos filmes. Peguei o isqueiro em cima do fogão, o tubo de DDT e voilá, tinha agora um letal lança-chamas. Ela estava sob a mesa traçando seu plano de fuga. Porém, desta vez eu não erraria. Acendi o isqueiro, apontei e disparei pela segunda vez. Acertei em cheio. Então algo inesperado aconteceu. A aranha em chamas partiu para cima de mim como Nicolas Cage em seu flamejante Motoqueiro Fantasma. Corri de costas feito um zagueiro, tropecei na maleta que eu tinha largado no chão da sala e caí batendo com as costas na quina da mesinha de centro. Procurei o bicho e vi que ele continuava avançando, chamuscando todo meu tapete novo. Nunca tive tanta raiva de um inseto antes. A desgraçada ia botar fogo na minha casa. Consegui levantar e ela parou a um metro de onde eu estava. As chamas atingiam uns cinco centímetros. Estava viva, até acho que a ouvi gritar. Então fiz o que era pra ter feito antes: esmaguei a aranha com o pé. Calçar 43 tem que servir para alguma coisa.
Maurício Pons - Escritor
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