DO TUNTS-TUNTS À DOR DE CORNO - Jornal Cruzeiro do Vale

DO TUNTS-TUNTS À DOR DE CORNO

14/09/2010 08:49

Eu tenho uma teoria sobre a relação entre a música e as pessoas. Penso que é na adolescência que formamos nosso gosto musical, haja vista que é nesta época que começamos a comprar, ouvir e prestar mais atenção à música e tudo referente à cultura de um modo geral. É uma fase pela qual todos passam ou passarão. Quando procuramos a auto-afirmação, à busca por uma identidade, em meio a tantas dúvidas e incertezas.


Acho que de certa forma fui privilegiado por viver esta fase, onde o rock nacional teve seu maior momento de inspiração e evolução - os anos 80. Ultraje a Rigor, Ira, Capital Inicial, Paralamas, Plebe Rude, Camisa de Vênus, Barão, Kid Abelha, Lobão, Engenheiros entre outros, foram alguns dos ícones deste movimento.
Mas, tratando-se da relação adolescência e música, uma banda era a que melhor expressava todas as paixões, os medos, o inconformismo, os anseios e todos esses sentimentos revirados, próprios desta idade: a Legião Urbana.


Renato Russo parecia que falava por cada adolescente e exteriorizava o que quase todos sentiam e queriam dizer. Canções como Quase sem Querer, Índios, Tempo Perdido, Andrea Doria, ilustram muito bem o que digo. Elas me fizeram ver o mundo com outros olhos; de um outro jeito. ?Já não me preocupo se eu não sei porque, às vezes o que eu vejo quase ninguém vê?.
Porém o que eu vejo hoje agora é meio surreal. O que está acontecendo no cenário musical nacional? Música eletrônica, Sertanejo universitário, Pagode e esse pseudo-rock Emo-core dominam as rádios e todos os meios de comunicação.


Não sou preconceituoso e nunca fui. Nem tampouco do tipo fanático que ouve apenas um estilo específico e acha que todos os outros não prestam. Em casa, no carro, no computador, toca do bom e velho rock?n roll até música clássica. Samba, MPB, Disco, Funk 70, Blues, RAP - mais eclético é bobagem. Acredito que a boa música não tem relação e não se prende a um gênero específico.


Mas tentei, juro que tentei escutar o que está tocando atualmente. Quero compreender o que faz com que tanta gente, principalmente os adolescentes ficam tão fascinados com essas músicas que são produzidas agora.


Primeiro analisemos o sertanejo universitário, o pagode e o emo-core. Preste atenção nas letras. Todas, todas sem exceção tratam de relacionamentos amorosos mal-resolvidos ? Dor de corno para ser mais claro. Se substituir a viola por um cavaco ou uma guitarra não daria para perceber o estilo de um ou do outro. Uma superficialidade, uma falta de criatividade que chega a ser infantil o conteúdo das letras.


O que dizer então das batidas eletrônicas. É coisa de doido. Um dia fui a uma ?baladinha?. Era aniversário de um colega que resolveu impressionar e alugou uma área VIP em um destes lugares da moda. Que tortura! Parecia que nunca trocava a música, só variava a velocidade. Tunts, tunts, bum bum. Era como se eu estivesse sob o efeito de uma droga, bêbado, entorpecido, sei lá... Uma verdadeira viagem.


O mais interessante que os DJ?s são tratados como verdadeiras celebridades por apertarem botões. Basta olhar nos out-doors pela cidade. Fulano não sei de quê o The best of , o top-top, o number one de algum lugar, de alguma coisa. São anunciados para os eventos como novos Messias chegando à cidade.


Entendo a música como forma de Arte. E Arte é uma atividade ligada a manifestações de sentimentos e sensações pessoais do artista que reproduz e recria a realidade segundo seus sonhos, convicções, seus ideais, suas experiências. Tudo isso impregnado de poesia, que faz com que suas criações fujam do comum e do ordinário.


Mas o que vemos é a música, a arte tratada como um grande negócio ? money - business. Quando alguém se destaca em um segmento, logo inúmeros clones são criados para faturar. E a mídia influenciando, martelando, usando todas as ferramentas para influenciar e vender seus produtos.


Parafraseando Nando Reis: ?Acho que o mundo está ao contrário e ninguém reparou.? Enquanto isso, a mediocridade impera. Só me resta tirar a poeira dos velhos Cds na esperança de que algo de bom reapareça. Mas como dizia Mario Quintana: ?O que é a esperança se não um urubu pintado de verde?.

Michel Jaques -  michel.jaques@yahoo.com.br

edição 1229

Comentários

Sidney Hostert
16/09/2010 16:12
Parabéns pelo artigo Michel !!
Desde sempre me considero um verdadeiro consumidor de música e tudo que a envolve, e acredite não compro nada atual desde sei-lá quando. Prefiro substituir meus bolachões por CD's ou Mp3's baixados da internet. Essencialmente década de 70, 80 e alguma coisa de 90.
Não consigo entender a "gurizada" andando com fone de ouvido através do celular pela rua "curtindo" música eletrônica, que não chega nem perto de um Kraftwerk. Mas o pior mesmo é ver um ser humano ouvindo a todo volume no carro, automaticamente todos que estão perto vão ter que ouvir, "aquelas" de dor de corno! Ridículo.

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