A luz branca do quarto não lhe dizia muita coisa. Não avisava, por exemplo, se era noite ou se era dia. Saberia, se as janelas estivessem abertas ou se, pelo menos, as enxergasse. Fechou os olhos contra a vontade por alguns segundos, as pálpebras estavam meladas e pesavam toneladas. Uma estranha sensação percorria o seu corpo, como se envolto em líquido. Procurou o peito com as mãos, mas elas não se moveram.
- Fique quieto ? ouviu, - ou posso te cortar.
Pensou em perguntar onde estava, como fazem nos filmes em situações como aquela. Porém, ele sabia muito bem onde, apenas não sabia ?por que? e nem ?quando?. Talvez fosse domingo, ou sábado. Foi na noite passada que bebera uma cerveja no bar ao lado da faculdade, com aquele sujeito que sonha em ser um desenhista famoso, enquanto esperava por seus irmãos? Neste caso não poderia ser domingo, pois tem certeza de que o bar só abre em noites de aula. Na verdade podia ser qualquer dia da semana, qualquer mês do ano, e podia ser manhã, tarde ou noite, pois a luz branca do quarto lhe dizia apenas uma coisa: que estava em um hospital.
Estou escrevendo minhas memórias. Além deste trecho aí de cima, que é o primeiro parágrafo do meu livreto particular, já escrevi umas 30 páginas. É um ótimo exercício de escrita. E de memória. Digito sem ordem cronológica. Vou lembrando e passando para a tela brilhante do monitor. É legal porque, de repente, me deparo com rostos que achei que não lembraria mais e revivo conversas há muito esquecidas lá nos grotões de minhas lembranças. Sabe aquela coisa de ?minha vida daria um filme?? Todo mundo tem uma história para contar. Mas, como prefiro livros a películas, eu escrevo.
Um amigo me disse, certo dia, que vivemos na memória dos outros, e que só morreremos de verdade quando ninguém mais lembrar da gente. Vivemos enquanto somos pensados. Existimos em nossas criações. Existimos em nossos filhos, em nossos netos, em nossos bisnetos...
Da mesma forma como Presley está vivo em sua música e Michelangelo em seus afrescos. Um autor vive em sua obra. Érico Veríssimo, por exemplo, renasce sempre que alguém abre e lê um livro seu.
Considero que todo livro fechado carrega em si um tanto de tristeza, com suas ideias aprisionadas, seus romances esmaecidos, seus heróis enclausurados. Por isso eu desapego. Empresto, presenteio. Livro é para ser lido, é sua razão de ser, de existir. Tente. Além de uma boa história pessoal desejando ser contada, deve haver aí, com você, um livro querendo alçar voo, esperando apenas um empurrãozinho seu. Liberta-o. E liberte-se!
Maurício Pons | Escritor
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