Livre e Errante - Jornal Cruzeiro do Vale

Livre e Errante

29/08/2014 16:48

Meu livro de cabeceira é o Dom Quixote. Capa dura, 686 páginas de genialidade em fonte 10. Estou no capítulo ?do que referiu um cabreiro aos que estavam com Dom Quixote?, página 75. Está ali, na cabeceira, há dezessete meses. Por três vezes comecei a lê-lo. Jamais passei da página 80. Apesar de fascinante, esta leitura tem exigido grande esforço de minha parte. Acontece o mesmo que aconteceu quando inventei de ler Guerra e Paz.  Desacompanho. Definitivamente, não me dou bem com os clássicos. Já a Marina...

Adora! Toda noite, deitada do meu lado, ela pega o livro, vira suas páginas, e lê. Do jeito dela. Às vezes ela joga o pesado volume no meu peito e fala com sua voz fininha: ?Lê pra mim a história do cavaleiro? Mas lê de um jeito diferente.? E eu leio. Incluo nas aventuras do cavaleiro da triste figura outras personagens. Por muitas vezes Dom Quixote e Sancho se viram encrencados com o Lobo Mau, ou com a Cuca. Chapeuzinho Vermelho, os Três Porquinhos, Patati e Patatá também participam. Certa vez a Rapunzel ficou trancada no moinho de vento e o fidalgo precisou salvá-la. A donzela jogou suas tranças e a cabeleira se enroscou nas pás no moinho. Foi terrível, mas no fim deu tudo certo. Quando minha inventividade para contar histórias dá sinais de enfraquecer eu sugiro: ?quem sabe vamos ler um livro dos teus?? A Marina, com seus quase quatro anos de idade, tira o livro das minhas mãos e sentencia: ?Então deixa que eu mesma leio?, e inventa suas próprias aventuras.

Meu livro de cabeceira nem é meu de verdade. Tomei emprestado. Eu sei, eu sei! Já devia tê-lo devolvido. Mas acontece que o dono mora há centenas de quilômetros de onde estou. Devolvê-lo, neste momento, é geograficamente complicado. Posso mandá-lo pelo correio, mas perder a oportunidade de rever um amigo querido?! Não. Qualquer dia eu devolvo meu Dom Quixote que nem é meu.

Certa vez, lendo O Dia em Que Nietzsche Chorou, pensei que mais pessoas deveriam ter acesso àquele livro. Observei minha pequena estante e percebi que todos aqueles volumes deveriam estar sendo manuseados por alguém. Foi quando tive a ideia de fazer o Livro Errante. Botei meus livros na rua, com um recadinho para quem os encontrasse. Não foi nada original, bem sei. Existem outros movimentos parecidos, como o Livro Livre. Mas aí divulguei a ideia em uma comunidade do Orkut, que na época era a rede que bombava, e a turma abraçou. Criamos uma comunidade própria com mais de trezentos usuários e a partir daí circulávamos livros pelos correios.  Tenho alguns que visitaram vários estados brasileiros e que depois voltaram cheios de mensagens e memórias. Em 2009 realizamos o Orkutchencontro, em Nova Prata - RS. Muitas pessoas, de diversas partes do Brasil, compareceram deixando, a partir daquele momento, de serem apenas amigos virtuais. A Comunidade do Orkut não existe mais, mas o pessoal se reúne ocasionalmente até hoje. Planejam, para o fim de 2014, um encontro em Montevidéu. Marina, minha filha que em Nova Prata foi na barriga da mãe, também irá neste próximo. Assim são os livros, ampliando horizontes e estreitando relações.


Maurício Pons - Escritor



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