Depois de deixar as ?crianças? no colégio, Otávio segue para o trabalho. Antes mesmo de sair do estacionamento, muda a estação do rádio, onde naquele instante, uma dupla cantava suas desilusões amorosas. Não era muito fã de música sertaneja (já não era lá muito de fã de música alguma), mas sempre acabava escutando, pois sua filha era quem sempre comandava o dial.
Procura logo a emissora de notícias para saber as últimas da política, do esporte, os casos de polícia, as tragédias nas estradas, e claro, a previsão do tempo, afinal um homem tem que se manter bem informado; tem que estar atualizado; tem sempre que ter assunto para as conversas que terá durante o dia.
O trajeto até o escritório não leva mais que 30 minutos. Pouco tempo, mas considerando que o lugar fica relativamente próximo ao colégio, era muito. O trânsito neste horário agora é uma loucura. Alguns anos atrás, quando os filhos começaram a estudar, levava menos de 10 minutos. Quando a coisa começou a ficar impraticável, até reclamava, xingava, indignava-se, estressava-se. Acostumou, acomodou, amansou. Ainda que, a cada ano a situação só piorasse. Ainda que a cada eleição, políticos prometessem resolver o problema. Nunca deixava de votar nos mesmo caras, do mesmo partido, nos quais sempre votava. Otávio era homem conservador.
Conservador também era o estilo das roupas. A camisa social clara e sóbria; calça, sobre tom, escura; cinto de couro marrom, combinado com o sapato cuidadosamente lustrado. E assim ele sai do carro, com seu uniforme de pessoa séria e respeitável, empunhando sua pasta de couro, para mais um dia de labuta, para mais um dia de rotina, no escritório de contabilidade.
-Bom dia Seu Otávio.
-Bom dia Jana, responde ele, tratando de forma carinhosa Janaína, a recepcionista, que é a primeira pessoa com quem ele encontra. A primeira pessoa a chegar. A jovem de 22 anos, que está há quase dois anos na empresa e normalmente é com ela que dá de cara pelo menos cinco dias da semana.
Segue para sua sala, cumprimenta alguns poucos funcionários com quem encontra no caminho de sua sala. Senta-se e automaticamente, como de praxe, liga o computador. Enquanto a máquina inicializa, folheia o jornal, que já estava sobre a mesa, colocado ali pela eficiente funcionária. Mais notícias. As mesmas notícias do telejornal, do noticiário da rádio. Entra na internet. Na página inicial, anúncios, pop-ups e adivinhem... mais novas notícias, velhas. Vai verificar seus e-mails. Abre a caixa de entrada 14 novas mensagens. Clientes, correntes, propagandas, alguns muitos estranhos que nem se arrisca a abrir. No meio um nome familiar...
DE: Sandra Mara ASSUNTO: Quanto tempo... DATA: Dom 28/10/2010
Um frio na barriga, memórias, mil coisas vem a sua mente. Sem pensar, ansiosamente, clica...
Oi Tavinho,
Encontrei seu endereço no google, quer dizer espero que seja o seu...rsss.
Nossa! Quanto tempo. Voltei à cidade, estou louca para saber de você. Se for este o seu e-mail, certamente verá está mensagem e espero que me retorne confirmando para conversarmos, para matar a saudade.
Bjão
Sandra
Os ingleses têm uma expressão que se aplica bem ao caso Butterflies in the stomach. Borboletas no estômago. Era mais ou menos isso que Otávio estava sentindo neste momento. Um misto de nervosismo, excitação. Uma descarga de adrenalina em sua corrente sanguínea, faz com que o coração dispare, ou porque não dizer, bata novamente. Uma sensação que há muito, muito tempo não experimentava.
Eis uma nova notícia, uma novidade de fato...
Continua...
Michel Jaques - michel.jaques@yahoo.com.br
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