No primeiro dia de 2017, o maior símbolo de Hollywood, na Califórnia, amanheceu ligeiramente alterado. “Hollyweed” (ou Hollymaconha), dizia o gigante letreiro instalado nas montanhas de Los Angeles. A pegadinha, arquitetada durante a madrugada por um homem que utilizou lonas pretas e brancas para modificar o ponto turístico, foi uma espécie de comemoração em grande estilo com referência à Cannabis, maior vitoriosa das eleições norte-americanas de 2016.
Se Donald Trump e Hillary Clinton brigaram por cada voto dos estados-chave na eleição presidencial realizada em 8 de novembro, a maconha não teve maiores problemas para ser aprovada em oito dos nove estados que tiveram plebiscitos para decidir sobre seu uso. Califórnia, Massachusetts, Maine e Nevada aprovaram o uso recreacional, e Arkansas, Flórida, Dakota do Norte e Montana permitiram a utilização medicinal da erva. Com as novas medidas, os Estados Unidos contam com mais estados a favor do que contra a Cannabis. A estimativa é de que quase um quarto da população viverá em locais onde ela é completamente legalizada e cerca de 200 milhões de cidadãos terão acesso a tratamentos com substâncias derivadas da maconha. Além de ser um marco no debate sobre a política de guerra às drogas, a decisão norte-americana é considerada um exemplo determinante para o resto do mundo.
Estado mais populoso e rico dos Estados Unidos, a Califórnia foi a primeira unidade da federação a liberar a maconha para fins medicinais, em 1996. Agora, com a nova reforma, maiores de 21 anos poderão portar até 28,5 gramas e plantar até seis pés para consumo próprio. “Parece ser consenso entre os políticos regulamentar primeiro na Califórnia, depois partir para o âmbito federal”, afirma Benjamin Bradley, um dos diretores da Associação da Indústria Californiana de Cannabis (California Cannabis Industry Association). “Nosso mercado é maior do que qualquer outro. A cidade de Los Angeles sozinha supera os estados de Oregon, Alasca e Washington juntos. Mostraremos ao resto do país e do mundo que isso pode dar certo.”
As novas regras passaram a valer imediatamente, mas as lojas só começarão a vender maconha para uso recreativo a partir de 2018, quando o governo emitirá licenças. A previsão é de arrecadar aproximadamente US$ 1 bilhão em impostos, que serão revertidos para programas de educação — entre eles, o de prevenção contra o uso abusivo de drogas. De acordo com relatório da Marijuana Business Daily, que fornece dados sobre o mercado da Cannabis, as vendas legais alcançarão US$ 8 bilhões em 2019 (confira gráfico ao lado). Essa é, sem trocadilhos, apenas a ponta da discussão. Segundo o estudo, para cada dólar de maconha vendida, ao menos US$ 2,60 são gerados na economia. Eles vêm de serviços relacionados à indústria, como laboratórios de testes e equipamentos de jardinagem.
Tamanho potencial lucrativo, porém, preocupa os pequenos produtores. O medo é de que o sucesso de vendas da erva leve ao aumento dos preços e dos impostos. Para Kristi Knoblich, uma das sócias da marca de chocolates Kiva, pioneira na área de produtos comestíveis de maconha, há mais motivos para ser otimista. “Algumas medidas protegem os pequenos produtores, como o limite de meio hectare para o cultivo, e existem oportunidades para todo mundo”, afirma.
Especialistas falam em uma possível green rush, ou corrida verde, uma alusão à gold rush, a corrida do ouro que atraiu milhares de mineradores para a Califórnia na metade do século 19. Lembrando dessa história, a expectativa é de que mais empreendimentos não diretamente relacionados ao cultivo ou à venda da erva surgirão graças às novas leis estabelecidas pelos estados. “Ninguém se lembra de um grande minerador de ouro, mas todos conhecem a Levi’s, marca que criou os uniformes utilizados por eles”, diz Benjamin Bradley. Ele acredita que haverá um aumento de negócios na área de fertilizantes e embalagens, além de serviços de marketing e publicidade.
Um exemplo dessa tendência é a Cannabrand, agência de marketing de produtos feitos com maconha criada no Colorado em 2014. “Queremos mostrar que não se trata apenas de uma flor que você pode fumar”, diz Olivia Mannix, uma das fundadoras da empresa. “É possível produzir de comida a cosméticos com ela.”
Apesar dos efeitos positivos na economia, os empreendedores do mercado enfrentam um problema crucial para os negócios: a impossibilidade de operar no sistema bancário norte-americano. Isso porque a droga não só é ilegal em âmbito federal como também é considerada tão perigosa quanto a heroína e pior que a cocaína — esta permitida em tratamentos médicos. “Esse é um dos maiores desafios. Uma ideia é criar um banco estadual enquanto ela não é legalizada no país todo”, ressalta Bradley.
Mesmo assim, as novas leis tiveram um impacto significativo no combate ao tráfico de drogas. No último relatório da Drug Enforcement Administration (DEA, órgão do governo norte-americano responsável pelo combate às drogas), divulgado em dezembro do ano passado, um fato chama a atenção: diminuiu a quantidade de maconha comercializada e distribuída pelos cartéis mexicanos, maiores abastecedores do mercado ilegal dos Estados Unidos.
Nos últimos dois anos, outros países do continente americano criaram medidas para legalizar ou flexibilizar o consumo da droga. O exemplo mais marcante é o do Uruguai, que em 2014 se tornou a primeira nação a legalizar a venda de Cannabis para uso recreacional. O Brasil, no entanto, ainda caminha lentamente no debate dessa questão. “O país é a vanguarda do atraso, mas há coisas acontecendo”, afirma o advogado Emílio Figueiredo, membro do Conselho Consultivo da Plataforma Brasileira de Política de Drogas.
No início do ano passado, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estabeleceu regras para a prescrição médica e importação de medicamentos formulados com canabidiol e tetrahidrocannabinol (THC), substâncias extraídas da maconha. Isso não significa que o uso medicinal está liberado no país: em casos específicos, os pacientes poderão trazer medicamentos com essas substâncias produzidos em outros países. Por enquanto, o Brasil ainda está longe da Califórnia de 1996. Que dirá da de 2017.
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