Às vésperas de ser homenageado pelo Grammy Latino, Djavan lança disco - Jornal Cruzeiro do Vale

Às vésperas de ser homenageado pelo Grammy Latino, Djavan lança disco

06/11/2015
Às vésperas de ser homenageado pelo Grammy Latino, Djavan lança disco

Sobre o violão de dedilhado djavânico, que ecoa o de canções como “Outono”, a voz começa: “Eu já nasci/ Minha mãe quem diz/ Predestinado ao canto”. Na autobiográfica “Dona do horizonte”, penúltima das 12 faixas inéditas de “Vida pra contar” (Luanda/ Sony), Djavan desenha um retrato terno de sua mãe (e das mães) ao mesmo tempo em que esquadrinha, por ela, sua própria formação (“Me fez ouvir Dalva de Oliveira e Angela Maria todo dia/ Deusas que adorava/ Tinha prazer em me levar pra ver/ Luiz Gonzaga cantar”).

— Minha mãe tem total influência na minha arte — lembra o compositor alagoano de 66 anos. — Ela dizia para mim: “Você tem a vozinha bonitinha”. Quando ia lavar roupa com as amigas na beira do rio, distribuía vozes, armava corais. Aquilo foi fundamental para mim, assim como as cantoras que ela me fez ouvir, como digo na música. Dalva, Angela... Meu canto é muito mais influenciado por mulheres do que por homens.

Pela referência à própria história e pelo diálogo com o estilo que construiu em 40 anos de carreira, a canção é uma das bases de “Vidas pra contar” — um álbum que, em seus 49 minutos, reafirma e desenvolve esse estilo a cada frase melódica, desenho rítmico ou verso de imagens, novamente, djavânicas (o substantivo que vira verbo em “Ela dá de ombro/ E eu me escombro sozinho” remete ao “Você deságua em mim/ E eu oceano”, ele mesmo nota). Às vésperas de ser homenageado no Grammy Latino pelo conjunto da obra (a cerimônia será no dia 18), um ano depois de lançar a caixa com sua discografia, Djavan se lança na aventura de um disco de inéditas (o anterior foi “Rua dos amores”, de 2012) carregando essa bagagem ao lado do desejo da invenção, do frescor — palavra que repete ao longo da entrevista, como motor de sua arte.

— Quando mexo com arquitetura (ele desenhou a casa e o orquidário de seu sítio em Araras), com meu jardim, busco o frescor. É o que comanda o meu dia a dia e minha música. Quando faço uma canção, passo uma semana me sentindo tão poderoso... Mas, graças a Deus, passa — brinca, afirmando seu “eternamente renovado gosto pela brincadeira de cantar”. — Dez dias antes de entrar no estúdio não tinha nada. Fiz cinco músicas, sem letras, nesse tempo. Gosto de compor assim, a pressão me inspira. Mas nunca tinha chegado nesse limite.



Sob a pressão inspiradora, Djavan ergueu um álbum que passeia por xote, valsa, samba, jazz. A diversidade é marca de sua assinatura, presente também nos arranjos e na sonoridade da banda (de músicos que ajudaram a formatar um “som do Djavan” nos anos 1980 e 90, como o tecladista Paulo Calasans e o baterista Carlos Bala). É nesse terreno conhecido que ele procura trilhar rotas novas.

— O foco não é inovar ou não. Mas existe algo natural. Sempre fiquei encantado com o diferente. Diziam desde o início que minha música era maluca, perguntavam: “Onde está o 1 (tempo forte) dessa música?” — conta, rindo. — Em “Vida nordestina”, por exemplo, queria uma canção que trouxesse toda essa informação musical de lá, mas do meu jeito. E pensava: “Como fazer se Luiz Gonzaga já fez tudo?”. Mas fiquei contente, consegui ser genuíno e original.

Em meio às biográficas “Dona do horizonte” e “Vida nordestina” — e a um punhado de canções de amor —, o disco traz uma reflexão política disfarçada de crônica de fim de relação (“Enguiçado”).

— Queria falar do homem hoje, dos valores distorcidos — explica Djavan, que se diz otimista. — É uma fase maravilhosa, tudo está sendo discutido. A Operação Lava-Jato, a dificuldade de a Europa abraçar imigrantes, tudo isso mexe em questões que precisavam ser mexidas para que haja uma refundação.

Nesse ambiente, Djavan acredita que o compositor cumpre um papel social mesmo quando fala de amor:

— Quando uma canção de amor ajuda a lançar luz sobre um sentimento difícil de ser esclarecido, a apresentar uma esperança, isso é uma ação social, um antídoto contra a porcaria do mundo.

Ele nota que não há aí a defesa de um populismo musical, uma concessão cega ao desejo imediatista do público — sua própria obra testemunha essa ideia.

— Desde o início acho que o biscoito fino não é para ser dado para poucos. Sempre quis ser popular fazendo o que concebo como arte. Mas muitos têm a visão elitista de que um artista não pode ser popular e sofisticado ao mesmo tempo. Fui muito criticado por isso — diz, lembrando que a bossa nova estabeleceu essa divisão clara entre o bom e o mau gosto. — Mas para mim Tom e Gonzaga estão no mesmo patamar.

 

Fonte / Foto Globo.com

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