Caminho arriscado
Reportagem: Indianara Schmitt l Fotos: Ranieri Souza
Mudança repentina de calçada, falta de sinalização, placas no meio do caminho. Este é o percurso de quem caminha pela rua Coronel Aristiliano Ramos e suas transversais. Aqueles sem problemas visuais ou físicos conseguem fazer este trajeto tranquilamente, pelo fato de conseguirem ver onde estão os obstáculos. Mas, para aqueles que possuem algum tipo de deficiência, o caminho é arriscado.
Nas principais ruas da cidade, o maior problema enfrentado pelos deficientes físicos ou visuais é a falta de acessibilidade. A deficiente visual Eduarda Zimmermann Becker, de 20 anos, morou até o final do ano passado na cidade e afirma que transitar pelas ruas é uma tarefa complicada. ?As calçadas são muito desniveladas e quebradas. Uma hora andamos em uma feita de cimento. Na outra, já estamos andando em cima de terra ou até mesmo nos deparando com um buraco. As calçadas que ficam na rua do Posto de Saúde, por exemplo, são praticamente intransitáveis. Muitas vezes a bengala não consegue detectar as imperfeições que estão no caminho.?, declara. Para ela, as calçadas que têm acabamento em piso são as mais fáceis de andar, porque são lisas.
A única rua central que está sendo preparada para receber os deficientes com mais segurança é a rua São José, que ainda passa por melhorias. Parte da via já está com o piso tátil e de alerta no lugar. Para Eduarda, a colocação deste tipo de piso é muito importante para a cidade.
?Pelo que percebo, o piso está sendo colocado como deveria. A única coisa que está errado é o alerta, que não precisa estar na beirada da calçada?. Segundo a secretária de Planejamento, Patrícia Scheidt, além da rua São José, as ruas Industrial José Beduschi e São Pedro também vão receber o piso tátil. Ainda não há previsão de colocação nas demais ruas da cidade.
Outro ponto levantado pela jovem é a questão da travessia na faixa de pedestres. ?Muitas pessoas não respeitam. Já fiquei esperando mais de cinco minutos para atravessar a ninguém parou?, declara Eduarda,que diz preferir atravessar em retas para conseguir identificar melhor o som do carro parando.
Não é somente a maioria das ruas de Gaspar que não estão preparadas para receber os deficientes visuais. Grande parte dos bares, restaurantes, escolas e bancos não possuem acesso facilitado. Na escola, Eduarda sempre teve a ajuda dos amigos, da direção e dos professores para se locomover. ?Apesar de não possuir sinalização, eu não tenho do que reclamar. Todos sempre me ajudaram?.
Sobre a acessibilidade nas agências bancárias da cidade, a estudante de psicologia diz que sempre foi acompanhada de outra pessoa. ?No final do ano passado participei de uma simulação em uma agência. Entrei sozinha e fiquei esperando por um funcionário. Ninguém veio me atender. Minha mãe, que estava lá dentro sentada só observando de longe, teve que dizer a um atendente que tinha uma pessoa para ser atendida. Quando eles viram que eu era deficiente visual, não souberam direito o que fazer?. Bares, restaurantes e lojas da cidade também não estão preparados. A jovem diz que sempre vai a esses lugares acompanhada de outra pessoa.
Preconceito
O preconceito não faz parte da vida de Eduarda Zimmermann Becker. A jovem diz que não se lembra de ter passado por qualquer momento constrangedor. Nas filas, por exemplo, ela diz que a maioria das pessoas dá preferência.
?Só acho que as pessoas podiam falar diretamente comigo. Geralmente quando estou com alguém, as pessoas perguntam à pessoa que está comigo o que eu quero. Eles deviam perguntar diretamente para mim?. A mãe de Eduarda, Ana Maria Zimmermann Becker, se diz muito orgulhosa da filha que tem. ?Sempre passamos pelas coisas juntas, sejam elas boas ou ruins. Sou muito feliz por tê-la como filha?, declara a mãe, emocionada.
Vida normal aos 20 anos
Eduarda Zimmermann Becker, mais conhecida como Duda, tem 20 anos. Nasceu em Gaspar e morou na cidade até o final do ano de 2011. A jovem, que dividia seu tempo entre os estudos no Colégio Madre Francisca Lampel e as aulas de Braile em Blumenau, gosta de ler e ficar na internet. ?Faço coisas que qualquer pessoa com visão faz. Meu computador e celular possuem um dispositivo que fala, e isso faz com que eu possa fazer de tudo?.
A jovem nasceu com a retina má formada, porém, isso não impedia sua visão. ?O nome da doença é Retinoplastia da Prematuridade. Por causa dela, eu não podia fazer atividades em que pudesse receber impacto. Por exemplo, brincar com bola, pois ela podia pegar em meu rosto. Perdi a visão total quando eu era criança. Aos quatro anos, perdi a visão do olho direito. Aos seis, do esquerdo?, explica.
A primeira vez que Duda saiu sozinha de casa foi aos 16 anos. Ela conta que sempre ia até a escola e ao curso de inglês sozinha, pois já conhecia bem o caminho. ?Muitas vezes eu fui até me guiando pelos muros?. Hoje, Eduarda estuda psicologia na Universidade do Vale do Itajaí e mora em Balneário Camboriú por ser mais prático para ir até a faculdade.
Repórter viveu de perto o problema dos cegosFazer uma grande reportagem não é tarefa fácil. Requer pesquisas e muito tempo pensando em como abordar o tema da melhor forma possível para o entendimento dos leitores. Pensando nisso, aceitei o desafio de andar de olhos vendados por algumas ruas do centro de Gaspar. Pude sentir na pele como é a acessibilidade para os deficientes visuais.
Acompanhada pelo fotógrafo do jornal Cruzeiro, Ranieri Souza, e pela deficiente visual Eduarda Zimmermann Becker, andei pela rua São José, que está passando por melhorias. No primeiro momento, Duda, como gosta de ser chamada, me guiou. Como a rua está em obras, a principal dificuldade que encontramos foi a de localizar o piso tátil, pois parte do mesmo estava coberto de areia. Após andar alguns metros com ela, passei pela experiência de andar sozinha, seguindo o piso tátil com a bengala. O fato de já conhecer a calçada em que estava andando tornou a experiência um pouco mais fácil. Porém, a sensação de não ver o que estava pela frente é angustiante. Apesar de estar com Ranieri, que me orientava quando me perdia, sempre ficava a dúvida sobre o que estava à frente e em que poderia esbarrar ao dar o próximo passo.
Após tirar a faixa, andei com Eduarda pela rua Vereador Augusto Beduschi. Como a rua não possui acessibilidade para os deficientes, optamos por andar sem a venda, pois seria difícil ser guiada devido ao desnível das calçadas. Se para nós, que enxergamos, é difícil transitar pela calçada, fico imaginando como é para aqueles que não conseguem ver. Naquela rua, as calçadas mudam de acordo com a frente dos estabelecimentos. Existem calçadas com piso, cimento, pedras e até mesmo locais sem nada. Andar por lá guiando Duda foi uma tarefa um pouco difícil, pois muitas vezes a bengala não detectava os buracos, pedra, subidas e decidas que havia no caminho.
A lista de ruas que vão receber a colocação do piso tátil para os deficientes visuais inclui, além da São José, a Industrial José Beduschi e a São Pedro. Agora, a pergunta que fica é: E as demais vias? Não é fácil para um deficiente visual transitar sozinho pelas ruas da cidade, sendo que nem todas estão aptas a recebê-los.
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Alerta está erradoDesde o início das obras de reurbanização do centro de Gaspar, o principal ponto levantado pela comunidade é a colocação do piso tátil e alerta para deficientes visuais. As obras continuam sendo executadas, porém, somente parte da rua já está pronta para recebê-los com segurança.
Segundo Eduarda Zimmermann Becker, deficiente visual, a colocação do piso tátil está correta. Porém, o alerta está colocado de forma errada. ?Não tem necessidade de o alerta estar na beirada da calçada, pois nós estamos andando no meio. O correto seria colocar o alerta nos locais que apresentassem perigo ou onde mudasse o caminho. Um exemplo é quando estamos andando reto e tem a volta para ir até a faixa de pedestres. Não está sendo colocado o alerta ali, então fica complicado sabermos que estamos indo para a faixa?, diz Duda.
A calçada que está pronta faz frente com o Colégio Madre Francisca Lampel. Eduarda andou em toda sua extensão, mas, devido às obras, sentiu dificuldade em localizar o piso tátil. ?Com a areia das obras, é muito ruim achar onde esta o caminho. Mas, pelo que sinto, está correto?.
Em frente ao Colégio, as obras continuam. A colocação do piso tátil e de alerta continuam em andamento.
Reurbanização do Centro prevê mais acessibilidade
O projeto de reurbanização do Centro de Gaspar prevê mais acessibilidade aos deficientes visuais que transitam pela cidade. Segundo a secretária de Planejamento, Patrícia Scheidt, além da rua São José, onde parte da via já recebeu a colocação do piso tátil e alerta, as ruas Industrial José Beduschi e São Pedro também receberão melhorias neste sentido. ?As calçadas serão rebaixadas apenas para acesso às faixas de pedestres e acesso de veículos. Elas serão sempre bem sinalizadas, para trazer o mínimo de segurança aos pedestres?.
Ainda segundo Patrícia, a Prefeitura conta com uma proposta de melhorias na mobilidade urbana, que inclui o projeto Calçada para Todos. ?A urbanização do centro é a primeira etapa, que deverá ser expandida posteriormente para as principais vias de alguns bairros da cidade?, diz Patrícia. Ela ainda explica que este tipo de obra gera custos elevados, que fazem com que a execução seja realizada por etapas e prioridades.
Edição1363
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