Por Ana C. Bernardes
Acordar e muitas vezes não encontrar os pais em casa. Sair para a rua com a opção de ficar por ali mesmo ou, apenas se preferir, ir à escola. Conviver com pessoas que traficam ou usam drogas diariamente. Não receber o apoio, incentivo e educação necessária dos pais para se tornar um adulto com caráter, valores e, acima de tudo, com consciência para saber dizer não às drogas e ao crime. Esta é a triste realidade de muitas crianças que vivem na localidade do Jardim Primavera, no bairro Bela Vista, e que nem sempre têm outra escolha de vida. A localidade conta com mais de 300 famílias e a grande maioria está desestruturada e sem condições de trilhar um novo caminho, longe dos crimes e das drogas.
As crianças aprendem a partir de exemplos, atitudes que os adultos tomam que tendem a atingir diretamente a elas. É por este motivo que muitas vezes elas entram no mundo das drogas, e consequentemente, dos crimes, que sempre os recebem de braços abertos e mostram como elas podem ser importantes, invertendo a situação a qual estão acostumados, onde não são vistas. ?É muito triste vermos que uma criança de 10 anos já sabe o significado da palavra drogas, e isso acontece porque faz parte da rotina dela, ela está acostumada a ver os pais e outros familiares usando, ou vendendo?, comenta uma moradora que preferiu não se identificar. Para ela, há cada vez mais a inversão de valores, onde caráter e poder se confundem. ?As crianças convivem com maus exemplos, que não sabem o sentido da palavra educação. Nenhuma família desestruturada pode zerar os valores de uma criança?.
A cada dia que passa, mais crianças deixam a inocência da infância de lado para dar lugar ao universo sombrio do crime, onde limites não existem. A grande vontade de ter algo e a oportunidade de ser visto e temido faz com que os adolescentes desejem cada vez mais entrar neste meio. ?As crianças passam a maior parte do tempo na rua e acabam se tornando adolescentes rebeldes, que não tiveram a educação necessária e conviveram com pessoas que nada lhes acrescentaram?, afirma um trabalhador do bairro, que também não quis ser identificado. Ele diz ainda que a situação na localidade do Jardim Primavera é muito complicada e que há uma grande necessidade de locais onde essas crianças e adolescentes possam passar o tempo livre. ?Eles têm que aprender coisas novas, e conhecer o significado das palavras respeito e educação. Infelizmente, quem hoje não é religioso, está perdido nas drogas?, lamenta.
Armas e canivetes foram confundidos com brinquedos, e educação, afeto e respeito se tornaram características que não influenciam na formação do caráter. O presidente da Associação de Moradores do Jardim Primavera, Luiz Antônio Casemiro, diz que mulheres e homens mais velhos aliciam cada vez mais crianças e adolescentes, tentando se manter a salvos enquanto elas, crianças e adolescentes, fazem o trabalho do crime. ?O problema é social e está acontecendo no mundo inteiro. Precisamos que toda a comunidade se conscientize e tente mudar essa realidade, levando educação, mostrando coisas boas às crianças, senão daqui a alguns anos, seremos como a cracolândia?, conclui.
Por mais que o ambiente em que se vive seja propício ao consumo e comércio de drogas, e à prática de crimes, quem tem uma boa educação, bons exemplos, e desde cedo aprende o valor da dignidade e caráter, consegue crescer sem se envolver com este mundo.
Rodrigo Suptil da Silva, natural de Bauru, São Paulo, morou na localidade do Jardim Primavera durante sua adolescência e hoje, com 19 anos, trabalha, cursa a faculdade de Direito e nunca teve nenhum envolvimento com drogas. ?Naquela época, não era como é hoje, mas eu acho que quem está de fora fala muito e lá a realidade é um pouco diferente. Eu ficava sabendo de notícias de brigas, pessoas que morreram, e coisas do tipo, mas nunca vi isso pessoalmente?, relata.
Rodrigo fala que existiam muitos usuários e traficantes de drogas aos arredores de sua casa, mas tudo era feito de forma reservada e por isso nunca chegaram a lhe oferecer qualquer tipo de droga. ?Sabíamos como o local era conhecido e, justamente por isso, minha mãe se preocupava bastante comigo, ela ficava sempre de olho onde eu ia e com quem eu estava?, conta o jovem, destacando a importância de ter uma boa estrutura familiar, onde há educação e respeito. Atualmente, Rodrigo ainda mora no bairro Bela Vista, mas em outra localidade.
O número de adolescentes envolvidos com o tráfico de drogas no Loteamento Jardim Primavera, bairro Bela Vista, vem aumentando consideravelmente. Segundo dados levantados pela Polícia Militar, envolvendo apenas as ocorrências atendidas pelos Militares e não por outras forças policiais, o número de adolescentes envolvidos com tráfico de drogas no local é preocupante. Em apenas quatro anos, foram 49 casos de adolescentes que se envolveram com drogas. Em 2009, dos 29 detentos por tráfico, 12 eram adolescentes, já em 2010, entre os 24 detentos, nove eram adolescentes. Em 2011, o número aumentou ainda mais, foram 42 detentos, sendo que 19 destes eram adolescentes. Em 2012, até o início deste mês de abril, 16 pessoas já haviam sido detidas por tráfico de drogas e destas nove eram adolescentes.
Os números assustam e mostram como é necessário tomar alguma atitude em relação aos adolescentes de hoje. O comandante da Polícia Militar de Gaspar, major Moacir Gomes Ribeiro, diz que a existência do tráfico de drogas na localidade Jardim Primavera acontece em virtude de algumas características peculiares do local. Como há algumas residências que foram motivadas por invasões de terrenos, sem proprietários fixos e sem registro formal, houve a facilidade na permanência de pessoas que não são moradores do local e que procuram áreas sem estrutura social e pública para atuar na criminalidade. ?A falta de políticas públicas em todos os setores sociais com certeza facilita a disseminação de problemas inerentes no local, sem contar a má distribuição de renda em nosso país, que provoca diferenças sociais enormes?, fala.
O major diz ainda que a falta de estrutura e autoridade familiar, as amizades impróprias, a baixa auto estima pessoal, a curiosidade em experimentar as drogas e o desemprego são alguns dos principais fatores que fazem com que o aumento da procura por drogas pelos adolescentes cresça a cada dia.
O major Moacir Gomes fala que é necessário uma parceria sólida, sincera e eficaz entre a comunidade e a Polícia Militar, para que a qualidade vida no local melhore. ?Os moradores devem denunciar, informar e auxiliar de qualquer maneira sobre o tráfico de drogas e outros crimes que possam ocorrer na região, afastando com isso os possíveis marginais do local?, conclui.
Uma enquete realizada no dia 29 de março até o dia 2 de abril pelo Cruzeiro do Vale apontou que para a comunidade gasparense, 42,2% dos casos de envolvimento de menores em crimes e tráfico de drogas se atribui à ausência da família. Muitas vezes, crianças e adolescentes se criam nas ruas, longe do lar e dos pais. O afeto e a educação necessários para que eles se tornem adultos conscientes, sem fazerem parte do mundo das drogas e dos crimes, são inexistentes. A quantidade de adolescentes envolvidos com crimes e drogas na localidade do Jardim Primavera é grande e a presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, CMDCA, Maria Salete da Silva Schmitt, explica que os adolescentes que residem em regiões mais vulneráveis socialmente têm mais exposição e consequente facilidade na aquisição e consumo de drogas. ?A droga adoece o usuário e, por conseguinte, toda a família. Muitas famílias dão apoio incondicional, contudo, muitas acabando desistindo por não terem mais estrutura psicológica e também financeira para custear um tratamento adequado e eficiente?, diz.
Maria Salete fala também que a sociedade vive momentos de transformação e ampliação de novos conceitos de família, os quais, muitas vezes, deixam o adolescente confuso e sem direção. Para a presidente do CMDCA, além de uma família com boa estrutura, é necessário ainda que haja a implantação de políticas públicas direcionadas a saúde pública e ao social, para que o número de adolescentes envolvidos com drogas e crimes diminua consideravelmente. ?A questão deve sair definitivamente do plano das promessas. As ações na educação e prevenção devem ser priorizadas em todas as esferas?, conclui.
Edição 1378
Copyright Jornal Cruzeiro do Vale. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do Jornal Cruzeiro do Vale (contato@cruzeirodovale.com.br).