Por Geraldo Genovez
Com uma arma apontada para sua cabeça, João Luiz de Aguiar dividia o pensamento entre a família que estava em casa sem notícias suas, a sensação de que a morte se aproximava e as estratégias para fugir de uma ação criminosa. Enquanto sentia o cano reforçado do revolver pressionar a lateral do rosto, o outro lado da face batia na janela do carro onde era mantido refém junto com outras três pessoas. O retroagir do gatilho servia como trilha sonora e, no silêncio da mata, se tornava uma ameaça em alto e bom som. Ele suava frio e tinha dores nas pernas. A noite prometia ser longa.
Popularmente conhecido como Jota, o gasparense relembra com aflição de um dos momentos mais aterrorizantes de sua vida: o sequestro ocorrido em 8 de agosto de 1994. “Um homem pedia socorro na estrada, nas proximidades da antiga Boate Bataclan. Eu e meu padrinho, Silvio Zimmermann, resolvemos parar e prestar ajuda. Mas acabamos em uma emboscada”. Os dois foram feitos reféns no carro em que estavam, um Gol. “Fomos surpreendidos quando um outro homem apareceu armado, junto com uma moça. Os três entraram no carro e descobrimos que dois deles eram tão vítimas quanto nós. Seguimos rumo a São João Batista, pela BR-101, ordenados pelo criminoso”, completa.
A abordagem aconteceu em Gaspar, mas o desenrolar da história foi em uma localidade conhecida como Serra do Moura, na divisa entre os municípios de Brusque e Canelinha. “Sílvio se manteve no volante e, como não conhecíamos o caminho, acabamos pegando a rua errada. O sequestrador pediu que a gente não retornasse, fazendo com que chegássemos em uma espécie de roça. Lá, o carro atolou em uma vala. A essa altura, eu e as demais vítimas estávamos cansados e extremamente nervosos. Era uma tensão muito grande”, explica Jota.
Foi então que o sequestrador se identificou e mandou os reféns esconderem o veículo com folhas e mato, uma tentativa de camuflar a cena do crime. “Ele se chamava Rambo. Um homem alto e forte. Parecia ser um maníaco, tinha um tom de deboche... Apontava a arma para nós e brincava com o gatilho. Passamos a noite toda no carro e descobrimos que, além do revólver, ele carregava um canivete”, recorda. O clima era pesado, todos sentiam medo de ser machucados ou até vítimas fatais do criminoso.
Jota Aguiar queria conquistar a confiança de Rambo para ter a oportunidade de se salvar. Então, assim que o dia amanheceu, pediu permissão para descer do carro e cortar pedaços de madeira com o objetivo de tirar o carro do atoleiro. Porém, seu verdadeiro intuito era fugir. Com a ajuda do canivete cedido pelo próprio sequestrador, o gasparense se afastou e fingiu cortar galhos. Com o barulho alto dos troncos caindo sobre as folhas secas, Jota aproveitou para correr sem que fosse percebido. Foram cerca de cinco quilômetros até que a vítima encontrasse alguém e pudesse, finalmente, solicitar o apoio da polícia.
A pressão psicológica se somou ao cansaço físico e tornou a fuga de Jota ainda mais árdua. “Eu gritava por ajuda, mas muitos não me davam atenção, achavam que eu tinha surtado. Até que dois trabalhadores pararam para me ouvir, acreditaram nas minhas palavras e me levaram até o quartel de Canelinha”, comenta. O até então 2º sargento do Pelotão da Polícia Militar da Comarca, Francisco da Silva, assumiu o caso. “Um profissional exemplar. Garantiu que voltaria para ajudar as demais vítimas. Juntos, seguimos em direção ao local onde Rambo mantinha meu padrinho e outras duas pessoas sob ameaças”.
O policial Francisco se ofereceu como refém e, em troca, pediu que as pessoas fossem libertadas. Rambo aceitou o acordo, porém, não cumpriu com sua palavra. Isso fez com que, em um momento de descuido, o militar o desarmasse e deferisse o primeiro de uma série de tiros que viriam a matar o criminoso. O corpo do assaltante, alvejado com 19 tiros, foi levado ao Instituto Médico Legal (IML) de Itajaí, onde familiares fizeram o reconhecimento e efetuaram o translado para Florianópolis, onde residiam.
Rambo, na verdade, se chamava Augusto Francisco de Jesus e era foragido da Penitenciária de Chapecó. Assim que fugiu da prisão, ele comandou um grande assalto a uma casa no bairro Jardim Maluche, em Brusque. Depois, Rambo seguiu para Blumenau, onde ele deu início ao último crime de sua vida. Na oportunidade, o assaltante invadiu a residência do casal Rosana Aparecida Schneider Simão e Heleno Simão, no bairro Itoupava Seca.
Lá, Rambo pediu por dinheiro e também fez refém a empregada Salete Alves. Mas as vítimas não possuíam dinheiro em casa e pediram que um amigo da família fosse até lá emprestar. Ao chegar no local, Édson Décio Werner passou a dividir a angústia dos reféns. Rambo fez com que Salete e Édson entrassem no carro dos donos da casa, um Monza, e viessem para Gaspar junto com ele. Ciente de que as demais vítimas já tivessem acionado as autoridades, o criminoso mandou Édson pedir carona às margens da BR para trocar de carro. Foi assim que a história desses personagens se cruzaram na vida real.
João Luiz de Aguiar afirma que mantém contato com o padrinho Sílvio Zimmermann até hoje e que o mesmo se recupera de problemas de saúde. Quanto a Salete e Édson, pessoas que vivenciaram a mesma luta que Jota durante o sequestro, e Rosa e Heleno, também vítimas de Rambo, não teve mais notícias. Já o policial Francisco, Jota afirma ter visto há alguns anos em um evento militar.
O Jornal Cruzeiro do Vale produz, esporadicamente, reportagens especiais com fatos históricos ocorridos em Gaspar. O intuito do material jornalístico é relembrar esses acontecimentos, narrá-los sob a perspectiva de personagens que os vivenciaram e também contribuir com o acesso a informações que não puderam ser noticiadas com ampla divulgação pela falta de tecnologia e número reduzido de veículos de comunicação existentes na época.
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